O Tronco

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A história não menciona o nome do sádico inventor. Data da escravidão no Brasil e em cada vila, em cada engenho(nome das primeiras fazendas do ciclo do açúcar) existia o horrível instrumento de suplício que tinha o nome de tronco.

O povoado o Capim Branco, não fugiu à regra. As pessoas antigas contam que o mesmo era composto de duas pesadas peças iguais de madeira lavrada. Em ambas, de espaço a espaço, havia dez ou mais furos em forma de meia lua, os quais, quando superpostos, se ajustavam formando buracos. A primeira peça era horizontalmente fixa no piso de terra batida. Grossas dobradiças uniam um das extremidades à segunda, formando assim um ângulo reto ao levanta-a.

Na extremidade oposta, havia uma grossa corrente com um cadeado. Esse tronco ficava localizado num sombrio barracão sem janelas, tendo apenas as portas de entrada e de fundo que davam para uma pequena área, depósito de sujeiras. No interior, em um dos cantos, lá estava um escuro e abafado cômodo feito a propósito, onde o instalaram. Esse barracão não existe mais. Com os anos , passou por várias modificações, já foi ocupado pela casa de comércio Rio Preto, Casa do Agricultor, bares, etc. Hoje é a Mercearia Tupã. Situa-se à rua Governador Valadares, de esquina com a Dr. Joaquim Brochado.

A infeliz vítima, ao ser conduzida para aquele lugar de suplício, era obrigada a introduzir um dos pés em um dos meio orifícios; baixava-se a peça móvel, ajustando-a à fixa. Cadeado trancado, ficava ela por dez, quinze , vinte dias, até meses, conforme a falta cometida. Terrível era quando se acumulavam muitos presos. O desespero se apossava daquela gente, respirando ar poluído, impossibilitada de se levantar, forçada a permanecer sentada ou deitada nas duras enxergas. Nessa incômoda posição, comiam, dormiam, choravam, lamentavam-se e os mais revoltados soltavam palavrões. Ignoro como procediam para satisfazer suas necessidades físicas... De vez em quando, o pé de alguém se inflamava, transformando-se em chaga viva, liberava-o e prendia o outro. Como era doloroso ouvir aqueles lamentos em vários tons, extravasando todo o sofrimento que experimentavam. Amiudavam principalmente ao escurecer, à hora do Ângelus... A hora que marcou para sempre.

Carregamos como um fardo certas lembranças da primeira infância durante a existência inteira. Eu tinha apenas três anos de idade e ainda trago na lembrança aqueles angustiantes gemidos.  Sem saber exatamente o que estava acontecendo, sentia uma profunda tristeza e chorava até adormecer. Talvez foram aqueles clamores que vieram ferir minha sensibilidade, despertando os meus primeiros sentimentos de amor ao próximo. Ainda hoje, ao avistar a ex-casa do suplício, retenho no pensamento os sons agoniosos que já me faziam mal, apesar de tão pequenina.

Maria Torres Gonçalves - "Hunay de Hontem, Unaí de Hoje"  - 1990 / Editora Arte Quintal




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