Pesquisadores retomam mais uma etapa do trabalho de campo na gruta do Gentio 2, em Unaí, onde foi descoberta a múmia brasileira da América

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A equipe liderada pelo pesquisador Francisco Antônio Pugliesi Júnior retomou os trabalhos de campo na gruta do Gentio 2 (cerca de 35 km distante do Centro de Unaí - sentido Garapuava, entrada de Jataí), um dos sítios arqueológicos mais completos do Brasil em termos de variedade e qualidade de artefatos antigos.


De acordo com pesquisadores, trata-se de um sítio cerimonial escolhido para abrigar sepultamentos (uma espécie de antigo cemitério). A primeira ocupação humana do local é estimada entre 12 mil e 8 mil anos atrás. Uma nova leva de ocupação humana na região é datada de 5 mil a 3,5 mil anos.


Foi na gruta do Gentio 2, que pesquisadores do Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB) coletaram (em 1977) uma pequena múmia natural de uma menina de aproximadamente 12 anos de idade, descendente de um dos povos mais antigos da América. Estima-se que ela tenha vivido há cerca de 3,5 mil anos na região, ou na segunda leva de ocupação humana nessas áreas.


Foi a primeira múmia encontrada no continente. Era “brasileira”, embora tenha vivido 3 milênios antes de o Brasil ser “achado” oficialmente. Provavelmente uma antepassada do que hoje em dia são conhecidos os povos falantes da língua proto-macro-jê: os tupis-guaranis (do litoral), os tapuias (do Planalto Central), os aruaques e os caraíbas (da Amazônia).


Mais de 40 anos depois, uma equipe de pesquisadores volta ao local para aprofundar as pesquisas. Os "primeiros" levantamentos dão conta de que há, no mínimo, 100 indivíduos sepultados naquele sítio, principalmente indivíduos jovens e crianças, como Acauã. E um sem-número de fósseis, artefatos e vegetais que podem ajudar a identificar o modo de vida dos povos mais antigos da região.


“Tem gente aqui desde que o continente sul-americano começou a ser habitado. Um dos primeiros locais de ocupação dessa região do Planalto Central foi aqui em Unaí”, afirmou o pesquisador aos visitantes que estiveram na gruta do Gentio 2, na tarde dessa segunda-feira (3/7).


“O patrimônio arqueológico de Unaí é riquíssimo. Esta gruta é só uma das coisas que vocês têm aqui. É a mais famosa. Porém, ainda há muito o que ser descoberto na região. É um patrimônio imenso que a gente está começando a conhecer”, salienta o pesquisador, que está à frente de uma equipe de 14 pessoas, entre professores e acadêmicos de graduação, mestrado e doutorado.


O projeto do pesquisador conta com o apoio da associação do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo; e com as parcerias do Departamento de Antropologia e do Núcleo de Arqueologia Indígena da Universidade de Brasília; do Departamento de Antropologia da Universidade da Flórida (Estados Unidos); e Departamento de Arqueologia da Universidade Federal do Oeste do Pará.


“A pesquisa tem o formato de sítio-escola. Porque a ideia é desenvolver a pesquisa arqueológica nos moldes atuais, e também proporcionar um espaço de formação para jovens profissionais que estejam começando sua carreira em arqueologia”, contou Pugliesi.


Grosso modo, a arqueologia é a ciência que, utilizando processos como coleta e escavação, estuda as culturas e os costumes dos povos antigos por análise dos materiais (fósseis, artefatos, monumentos) do que restou da vida desses povos.


VISITA “GUIADA”


Secretários municipais de Cultura e Turismo, de Educação, de Meio Ambiente e da Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Unaí (juntamente com servidores municipais e membros de Conselhos Municipais de Turismo e do Patrimônio Cultural) estiveram na gruta do Gentio 2 em visita “guiada” pelo professor Pugliesi.


Ele explicou detalhadamente todo o trabalho desenvolvido pela equipe dentro da gruta, falou da importância de se conservar o patrimônio arqueológico da região e manifestou o desejo de continuar as pesquisas, porque (segundo avalia) ainda há muito o que ser descoberto.


“Passamos um ano e meio aqui só limpando o material pisoteado, que estava espalhado e impactado em toda a área do sítio (Gentio 2). Limpamos a área que nos permitiu caminhar aí dentro e trabalhar com segurança”, afirmou Pugliesi, acrescentando que muito do material (valioso para a arqueologia) foi perdido nos últimos 40 anos, consequência da visitação descontrolada e do pisoteamento do solo por humanos e animais. Pichações sobre inscrições rupestres também ameaçam esse patrimônio.


E, para o futuro, a ideia (segundo mencionou o pesquisador) é estabelecer um padrão de visita controlada aos sítios arqueológicos unaienses, desde que esse patrimônio seja conservado e seja feita a capacitação técnica de unaienses para multiplicar os conhecimentos adquiridos pelos pesquisadores e difundidos para a comunidade e os visitantes.


PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE


De forma controlada e criteriosa, explicou Pugliesi, cidadãos unaienses que tenham interesse em pesquisa (a partir de sua experiência e repertório pessoais) podem compor a equipe durante os trabalhos de campo. Tudo vai depender da entrada de recursos para dar seguimento a essas pesquisas.


“Neste momento, a gente tem o recurso para finalizar a etapa de campo e continuar os trabalhos de laboratório. Para novas etapas de campo, estamos indo atrás dos recursos”, afirma o pesquisador, ao se dizer esperançoso com a retomada dos investimentos públicos governamentais em educação e ciência.


E, dando sequência a um plano mais ousado (de olho lá na frente), articular com o município a formação de guias e pessoas capacitadas para atuar no turismo arqueológico. “Formar guias e estabelecer circuitos adequados para visita a esses roteiros”.


UNAÍ COMO GUARDIÃO DO PATRIMÔNIO?


Parte do que foi coletado em Unaí nos anos 1970 e 80 pelo IAB estão no Rio de Janeiro, inclusive Acauã. O Instituto de Arqueologia Brasileiro é responsável pela guarda.


O material coletado pela equipe de Pugliesi estará sob guarda do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP).


“Quem regulamenta e define como se dá a guarda é o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Mas toda guarda de material é provisória. Não existe guarda definitiva de bem arqueológico, porque é patrimônio da União, portanto, bens de todos os brasileiros”, explicou o pesquisador.


Ele afirmou que, um dia, esses bens arqueológicos unaienses podem retornar ao município (como defende a política internacional de gestão do patrimônio dos bens arqueológicos - "que o bem fique mais próximo de sua origem" -, porém o ente receptor precisa obedecer a alguns pré-requisitos para abrigar e expor o acervo.


“O importante é que as instituições tenham consciência de que o espaço para receber o material arqueológico não pode ser um depósito. Demanda um bom recurso, porque o local precisa ser adaptado para conservação do material e ter pessoal capacitado para atuar”, salienta Pugliesi.


E pessoal capacitado para atuar, segundo ele, são servidores públicos concursados (federais, estaduais ou municipais), ocupantes de cargos efetivos e com estabilidade, que possam trabalhar com esse acervo da maneira como tem de ser trabalhado. “Pensando na longa duração e nas futuras gerações”.

 

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