Abuso sexual infantil: “a gente tende a se distanciar daquilo que dá problema, daquilo que dá trabalho” (palestrante)

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Despertar entre as instituições a consciência de que algo precisa mudar e sair de um ambiente "confortável". A mensagem é dirigida aos profissionais que lidam com as consequências do abuso sexual infantil ("tem muito profissional vocacionado e quer ser capacitado"), passando pela família e pela escola que são agentes importantes no processo de prevenção e combate ao problema. "É dentro da escola e da família que a criança está se expressando, revelando comportamentos". E chegando à sociedade: "Proteger a criança é papel de qualquer cidadão adulto". A manifestação foi feita pela psicóloga Beatriz de Paula, que juntamente com a psicóloga Twani Martins (ambas do Projeto Cure, de Brasília) foram responsáveis pelas palestras condutoras do evento ocorrido nessa quarta (27/4), no auditório da Câmara Municipal de Unaí.


Durante o fórum, as psicólogas expositoras abordaram os diversos aspectos que cercam a violência sexual contra a criança (o que é o abuso sexual infantil, tipos de abusos, dados gerais, mitos e verdades sobre o abuso, impactos sobre a criança abusada, sinais e sintomas na vítima, prevenção, educação sexual e habilidades socioafetivas, escola e família, traumas da vítima, combate, denúncia e acompanhamento).


Na plateia, membros do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Unaí (CMDCA) e do Conselho Tutelar (de Unaí e de Cabeceira Grande), técnicos da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, profissionais do Creas e dos Cras, das entidades que formam a rede de proteção da criança e do adolescente de Unaí, universitários, entre outros.


Integraram a mesa de autoridades a secretária de Desenvolvimento Social, Cláudia Maria de Oliveira; o presidente do CMDCA, Geraldo Mansur; o conselheiro tutelar Murilo Soares Mendes; a vereadora Nair Daiana (representando a Mesa Diretora da Câmara Municipal); e o delegado de Polícia Civil Alisson Felipe Procópio.


O 1º Fórum sobre Prevenção do Abuso Sexual Infantil é o evento que antecede a campanha do Maio Laranja, voltada para orientação e conscientização da sociedade sobre medidas de prevenção e combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, que tem seu ponto culminante no dia 18 de maio.


A CADA HORA, TRÊS CRIANÇAS SÃO ABUSADAS SEXUALMENTE NO BRASIL – APENAS 10% DOS CASOS SÃO NOTIFICADOS ÀS AUTORIDADES


Esses foram apenas os primeiros dados apresentados pela psicóloga Twani Martins durante sua exposição de abertura dos trabalhos. E os números continuaram: o abuso se inicia geralmente quando a vítima tem entre 6 e 12 anos. Entre 20% e 30% dos agressores sexuais foram abusados sexualmente quando crianças, e 50% deles foram vítimas de maus-tratos físicos combinados com abuso psicológico.


"O abuso sexual infantil (contra meninos e meninas de até 12 anos) é mais frequente do que a gente imagina", disparou Twani. "A gente acha que o abusador está lá fora, mas não". Mais de 7 em cada 10 casos de abuso sexual infantil ocorrem na casa da vítima ou do agressor.


Ou seja, o abusador é alguém da própria família (podendo ser pai, tio, primo ou avô) ou conhecido da vítima, um amigo da família. Ou mesmo de fora do seio familiar (um pastor, um padre, um médico, um professor, entre outros).


O crime ocorre em todas as classes sociais (entre ricos, pobres, remediados, sem rosto, sem nome, sem cor, sem raça). "A gente precisa olhar mais para dentro dos nossos lares, das nossas famílias", a psicóloga aconselhou.


A minoria dos abusadores revela algum tipo de transtorno mental ou psicopatia, e a maioria tem orientação heterossexual. "Mitos precisam ser derrubados", alertou Twani. Entre os mitos a serem desconstruídos, ela citou alguns: "o abuso é algo raro", "o agressor sexual é alguém distante do ciclo da família", "as crianças podem inventar que estão sendo abusadas, pois fantasiam muito", "a vítima de abuso infantojuvenil pode esquecer o que passou ao longo do tempo", "quando a vítima não esboça resistência, não existe o abuso sexual".


RELAÇÃO SEXUAL COM MENOR DE 14 ANOS, MESMO QUE CONSENTIDA, É CRIME


O delegado Alisson Procópio explicou tratar-se de "estupro de vulnerável", ou seja, pessoa de até 13 anos é incapaz de consentir com o ato. A lei entende que a vítima não tem o desenvolvimento necessário, a maturidade emocional para consentir. "É crime, o indivíduo vai preso", afirmou o delegado, para quem a pessoa precisa saber as consequências de seu comportamento.


Mas, segundo Twani, nem todas as violações sexuais da criança ocorrem com contato físico. O pedido de fotos de nudez, envio de vídeos, gestos obscenos, narração de atos sexuais para crianças, exibicionismo também são frequentes e se encaixam na rubrica "tipo de abuso sem contato físico".


Por isso, a psicóloga dá uma dica: "os pais devem procurar saber o que as crianças andam vendo (ou com quem mantêm contato) em telas de computadores, tablets e, principalmente, telefones celulares".


É PRECISO ENSINAR A CRIANÇA A DIZER "NÃO" E A SE PROTEGER


Numa segunda parte do evento, a psicóloga Beatriz de Paula detalhou os impactos (sobre a vítima) provocados pelo abuso infantil e falou sobre a importância da escola e da família para a identificação de sinais e sintomas (emocionais, interpessoais, comportamentais, cognitivos e físicos). Depois abordou um ponto chave: a prevenção.


E a prevenção, segundo ela, tem a ver com a qualificação de profissionais para levar informação de qualidade à família e à escola. E neste particular, a psicóloga cita a Educação sexual e as habilidades socioafetivas como fatores fundamentais para "formar uma consciência" e começar a atacar o problema de frente.


"As instituições precisam se capacitar para esse ensinamento. Falar de prevenção é falar de família, de relações afetivas. Precisamos ofertar suporte às famílias, enxergar a família como instituição parceira e principal instrumento e combate à violência sexual infantil", ressaltou Beatriz.


A psicóloga reconhece que, sem uma formação adequada, ninguém está preparado para falar sobre educação sexual e relacionamentos afetivos. "A gente não tem a cultura de falar sobre relacionamento, sobre afetos. Falar sobre educação sexual é falar sobre o corpo e as relações afetivas, não necessariamente falar sobre sexo. Relação sexual não é só penetração (conjunção carnal)".


E nesse percurso de conhecimento do próprio corpo, da percepção do afeto, ela explica, é necessário ensinar a criança a dizer "não". Treinar a criança para se defender. "Mas, para isso, ela precisa entender o que é afeto, o que é carinho, e o que não é", observou. "É preciso criar um ambiente desfavorável para a ação do abusador, pois a criança é vítima da construção de uma situação em que vai sendo envolvida".


E é aí que entram a família, a escola, os equipamentos públicos, os agentes de proteção e, finalmente, a sociedade. "Proteger a criança é papel de qualquer cidadão adulto. Essa proteção é obrigatória. A sociedade não pode se omitir".


Da parte dos profissionais e técnicos, segundo Beatriz, eles têm de fazer o que precisa ser feito. "É preciso profissionais vocacionados para trabalhar os traumas dos agredidos. Ajudar essas vítimas a conseguir a cura. Por isso, essa necessidade de despertar a consciência das instituições de que algo precisa mudar. Qualificar profissionais para passar orientações para a escola, para as famílias".


Ela avalia que "a gente tende a se distanciar daquilo que dá problema, daquilo que dá trabalho. E o trauma é trabalhoso tratar, é trabalhoso prevenir. Mas precisamos agir, sair do nosso lugar de conforto".


"QUANDO MEXE NO VESPEIRO, É MUITA COISA QUE APARECE"


Registros oficiais unaienses apontam uma média de cinco casos de abusos sexuais por mês no município. Técnicos e autoridades, no entanto, dizem acreditar que há uma subnotificação. De acordo com levantamentos da Ouvidoria Nacional, somente 10% dos casos de abuso sexual são notificados oficialmente.


Com base na suspeita de subnotificação, o presidente do CMDCA de Unaí, Geraldo Mansur, questiona: "onde estão os outros 45 possíveis casos que podem estar ocorrendo mensalmente em Unaí?".


Ele mesmo responde que há muito trabalho pela frente, que muito se tem a fazer para combater essa chaga social que marca para sempre a vida de meninos e meninas, mais tarde homens e mulheres adultos. "Precisamos acordar para o problema, abrir os olhos e trabalhar duro. A prioridade número "um" é falar do assunto". E agir.


AO FINAL


Como ato final do fórum, as palestrantes se dispuseram a tirar dúvidas e responder aos questionamentos dos presentes. A maioria das perguntas versou sobre a educação sexual das crianças. O projeto Cure, devido à experiência desenvolvida, colocou-se à disposição para ajudar na qualificação dos profissionais ou interessados.

 

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