Violência doméstica: Saúde vai capacitar profissionais de unidades básicas para notificações e acolhimento de vítimas

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O treinamento de médicos, enfermeiros, técnicos e agentes de saúde que atuam nas unidades básicas (UBSs) ocorrerá na segunda quinzena de abril e será executado em horários que não vão comprometer o atendimento da população. A violência cometida principalmente contra mulheres, crianças e adolescentes é um grave problema de saúde pública, porque dependendo da forma de agressão, a vítima lesionada acaba recorrendo a algum tipo de atendimento numa unidade de saúde. Por isso, após o treinamento nas UBSs, a capacitação será dada aos profissionais que atuam no Hospital Municipal.

 

Nos últimos anos, a violência doméstica tem sido intensificada contra pessoas vulneráveis, com taxas altas de lesões graves e óbitos. "E vem aumentando", atesta a enfermeira Maurineide Pereira de Souza, que atua no setor de Epidemiologia da Secretaria Municipal de Saúde como referência técnica em causas externas em saúde (agravos à saúde causados por acidentes e violência). "E as mulheres são as principais vítimas da violência", assinala Maurineide.

 

 A pandemia do novo coronavírus vitaminou ainda mais o cenário de crescente tensão psicossocial e aumentou as estatísticas de violência doméstica, com casos de agressões e mortes de crianças e crescimento expressivo de taxas de feminicídio (assassinato de mulheres).

 

O "novo" trabalho da saúde visa fortalecer a rede de combate à violência e atendimento às vítimas, integrando outros agentes como a Polícia Militar, a Polícia Civil, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e a Associação Unaiense de Desenvolvimento e Cidadania (Audec), entidade do terceiro setor que trabalha em conjunto com o Poder Judiciário no atendimento ao agressor e, mais recentemente, no atendimento às vítimas de agressão.

 

NÚMEROS SUBNOTIFICADOS NA SAÚDE

 

As notificações de vítimas de violência em Unaí não estão chegando à pasta da saúde e, quando chegam, o setor de referência não está tomando conhecimento. "Todas as unidades de saúde, tanto públicas quanto particulares, precisam notificar a epidemiologia do ocorrido", explica a enfermeira. "Sem os números, sem os dados, fica difícil o Estado formular ações e políticas públicas para o combate à violência no âmbito da saúde".

 

Na estrutura do Estado, já existem as unidades especializadas de atendimento às vítimas de violência doméstica, que Unaí ainda não possui. O Hospital Municipal funciona como referência, mas não é o ideal, segundo Maurineide. "Para criar essa unidade em Unaí (e fortalecer a rede de proteção), precisamos mostrar para o Governo do Estado que estamos precisando muito, que o município tem essa necessidade. Para isso, temos de ter os dados, as informações".

 

Ela já esteve, inclusive com a Polícia Militar, e pediu autorização para publicar os dados da violência doméstica e infantil no sistema do SUS. "Com isso, já pude observar que há uma subnotificação na saúde pública. Os dados da saúde não batem, são muito inferiores".

 

Para Maurineide, uma maior integração entre os agentes da rede de proteção resolve parte substancial do problema. E isso implica também capacitar os profissionais de saúde para preencher as fichas de notificação e informar os sistemas de agravo. "A Secretaria de Estado da Saúde e o Ministério da Saúde precisam tomar conhecimento dos casos", assinala.

 

TREINAR O OLHAR E OFERTAR MELHOR ATENDIMENTO

 

O Estado editou algumas resoluções que precisam ser executadas, entre as quais a capacitação de profissionais de saúde para melhorar a rede de atendimento e proteção às vítimas de violência.

 

"A violência doméstica e a vítima de agressão não são problemas só da polícia ou da rede de assistência social, mas também da saúde pública, porque demandam o atendimento da saúde, os recursos da saúde, demandam ações da rede do SUS", ressalta.

 

A violência contra a mulher é uma das mais recorrentes e, de acordo com a enfermeira, a saúde municipal busca formas de estruturar o atendimento para melhor acolher a mulher vítima de violência. "O olhar, o falar têm de ser diferenciados no acolhimento a essa vítima. E, depois saber como acionar a rede de proteção para encaminhá-la".

 

Maurineide admite que pode ocorrer de a mulher ser atendida na unidade de saúde e sair de lá sem o acolhimento necessário. "Porque o problema não foi identificado. A vítima não conta o caso. Por isso, é preciso treinar os profissionais da saúde para identificar os principais sinais de violência, mesmo diante do silêncio da vítima".

 

Segundo ela observa, numa consulta, numa conversa, o profissional de uma unidade básica de saúde (ou da Policlínica, ou do Hospital Municipal) tem de ter um olhar mais atencioso, mais atento para possíveis vítimas de violência.

 

"A MULHER RELATA QUE CAIU. SERÁ QUE CAIU MESMO?"

 

O olhar treinado, a conversa amiga podem revelar os sinais (ocultos de violência). "A mulher relata que caiu. Será que caiu mesmo? Será que foi uma queda mesmo, será que não foi um empurrão, um soco? E a partir daí, que fazer? Para onde encaminhar?". É esse tipo de reflexão que a enfermeira de referência em causas externas de saúde pretende levar para a capacitação dos profissionais.

 

Muitas vezes, explica Maurineide, a própria mulher não consegue identificar-se como vítima da violência, por uma espécie de "normalização" da sociedade em face do problema. "Às vezes, ela se identifica como vítima da violência somente quando é agredida. E os sinais de violência surgem muito antes, porque quando chega ao ponto da agressão já passou por várias etapas", adverte.

 

No caso da mulher, além da violência física (agressões: socos, pontapés, empurrões, puxões de cabelo...), ela pode ser vítima de violência sexual (estuprar, obrigar a fazer atos que causam desconforto ou repulsa, etc), de violência psicológica (ameaçar, constranger, humilhar, isolar, perseguir...), de violência moral (acusar a mulher de traição, emitir juízos morais sobre a conduta, fazer críticas mentirosas, expor a vida íntima, etc.) e patrimonial (controlar o dinheiro, destruir documentos, furtar ou causar danos, reter ou destruir objetos da vítima, etc.).

 

"Temos de mostrar para a mulher que ela é a vítima da violência, não a causa. Porque devido à manipulação do agressor, ela acaba sentindo culpa e se acha a causadora do problema". E essa é uma situação que não pode ficar silenciada, impune.

 

A mulher vítima, ou a sociedade que sabe das agerssões (família, vizinhos, colegas, amigos), devem denunciar a situação na Polícia Militar (190), Polícia Civil (180), do Disque 100 (direitos humanos) ou nos órgãos da Prefeitura, como o Creas (3677-5083). A denúncia pode ser anônima.

 

QUANDO A MULHER NÃO SE SENTE ACOLHIDA PELOS PRÓPRIOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO

 

Maurineide diz ter identificado muitos casos em que a vítima não se sente acolhida por quem deveria fazê-lo. Segundo ela, a vítima encontra dificuldades até mesmo para fazer o relato da ocorrência. "É muito traumático. A cada órgão que chega, ela precisa falar (mais uma vez) do ocorrido. Se a vítima for atendida pela Polícia Militar, tem de falar. Se for na Delegacia da Mulher (Polícia Civil), tem de falar novamente. Se for no Creas, mais um relato".

 

O relatar e reviver o drama das agressões toda vez que chegar a um órgão público aprofunda as raízes do trauma e acarretam mais sofrimento à vítima. A política de saúde pública pretende ajudar a rede de proteção às vítimas de violência a identificar onde estão situados os pontos problemáticos e buscar soluções conjuntas e integradas para o enfretamento da violência doméstica, especialmente contra mulheres e crianças (ou adolescentes), uma chaga sociocultural que é também problema de saúde pública.

 

No link abaixo, uma cartilha completa sobre a questão, elaborada pala Assembleia Legislativa de Minas Gerais:

https://www.almg.gov.br/export/sites/default/acompanhe/eventos/hotsites/2021/mulheres-desafios-pandemia/documentos/cartilha/cartilha_sempre_vivas_abril_2021.pdf

 

viomulsaaI 0001

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