Maio Laranja: contra o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes

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Escolas preparadas para identificação e encaminhamento de vítimas e sociedade informada sobre canais de denúncia são fundamentais para redução de danos.

Os danos físicos, emocionais e psicológicos de uma criança ou adolescente vítimas de abuso ou violência sexual podem segui-los por toda a vida. E, como a maioria dessas violações é praticada por um parente (pai, padrasto, avô, tio, primo, irmão) ou alguém muito próximo da família, os danos podem ser ainda mais avassaladores sobre a “bagagem” que a vítima carrega vida afora.

Para proteger essa vítima, ou ainda melhor, evitar que o abuso e a exploração sexual ocorram, foi criado o Maio Amarelo, mês em que há mobilizações para conscientizar a sociedade sobre a existência do problema e como essa sociedade pode participar, tanto atuando na proteção às vítimas (ou potenciais vítimas), quanto na denúncia de casos sabidos.

No âmbito da Administração Municipal, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), equipamento da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Cidadania (Semdesc), é um dos protagonistas da campanha, juntamente com os Cras (Centro de Referência de Assistência Social) e o Conselho Tutelar.

PROGRAMAÇÃO

De acordo com a diretora do Creas, Cleide Rodrigues Xavier, a campanha começará no início deste mês, com afixação de cartazes em estabelecimentos comerciais nos bairros da cidade e em postos de saúde (ou PSFs).

Os canais de comunicação da Prefeitura, como site, redes sociais e aplicativos de mensagens também estarão muito ativos na difusão de informações e orientações.
Os textos trazem material informativo e canais de denúncia que pode ser anônima, como o Disque 100 (Direitos Humanos do Governo Federal).

No esforço de conscientização, pedagogas sociais do Creas e Cras irão a escolas de ensino infantil, para orientação de professores, e alunos de pré-escolar, na maioria com idades entre 4 e 5 anos.

“Como o assunto é de abordagem delicada, as pedagogas sociais vão conversar com as crianças no linguajar apropriado à idade, de fácil entendimento e adequado a essas crianças”, enfatiza Cleide, ao manifestar a preocupação dos técnicos com a abordagem mais correta possível.

“Nosso maior sonho é conseguir prevenir o abuso sexual, é trabalhar para que o crime não aconteça”, afirma a diretora do Creas, órgão responsável por acolher indivíduos que já tiveram seus direitos violados.

E, para que o crime não ocorra, segundo Cleide, é importante ensinar às crianças que seu corpo não deve ser tocado por um adulto, ou em que circunstância pode ser tocado pela mãe ou pelo pai, como na hora do banho, por exemplo. E ensinar a criança a contar para a mãe em caso de outro adulto tocá-la.

Centros de Educação Infantil como Onilda Chaves Pessoa (Cidade Nova), Chapeuzinho Vermelho (Centro), Aquarela (Canaã), Frei Cecílio (Novo Horizonte), Geraldo José Martins (Politécnica) vão receber as orientações das pedagogas.

“Orientações do tipo já foram feitas em várias escolas municipais, tanto da cidade quanto da zona rural. Agora, vamos falar com as pequeninas do ensino infantil”, explica Cleide.

Para o sábado, 18 de maio, Dia “D” de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, a organização prevê uma caminhada pelo Centro da cidade, panfletando e chamando a atenção da população para o problema e a necessidade de denúncia.

O trajeto da mobilização abarcará a avenida Governador Valadares, em sua parte mais movimentada – da praça da Matriz até a praça São Cristóvão – com final da caminhada e panfletagem prevista para a feirinha do Convento.

DENÚNCIAS AUMENTAM POR OCASIÃO DA CAMPANHA

De acordo com a conselheira tutelar, Lívia Mônica Leão de Souza, durante a mobilização da campanha do Maio Laranja, as denúncias sempre aumentam. Tanto durante as palestras ou rodas de conversa nas escolas (“algumas crianças e adolescentes chamam o profissional para falar do próprio caso ou de algum conhecido”), quanto às denúncias anônimas que chegam ao Disque 100 (ou aos órgãos de proteção da rede socioassistencial), como o Conselho Tutelar.

ESCOLAS SÃO FUNDAMENTAIS PARA IDENTIFICAÇÃO DE VÍTIMAS E DENÚNCIAS DE CASOS

É ponto passivo entre profissionais da rede de proteção que as escolas devem participar “mais ativamente” do esforço no combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, com o envolvimento direto de seus educadores. Não só durante a campanha do Maio Amarelo, mas durante todo o ano.

Numa roda de conversa com profissionais do Creas (diretora Cleide Xavier, psicólogo Samuel Ted Almeida de Pereira e assistente social Júnia Ribeiro) e conselheiros tutelares (Lívia Mônica e José Alencar da Silva Júnior), o tema ficou patente:
“O local mais adequado para tratar mais intensamente do assunto é a escola, com apoio na educação, porque é lá que está o público-alvo da campanha, para ser trabalhado o ano todo”.

Para Cleide Xavier, muitas crianças sentem uma confiança muito grande na professora, a ponto de ter liberdade para falar com ela, ou com a diretora, a cantineira. Por isso, boa parte das denúncias vem das escolas. A maioria, no entanto, ainda provém da população, chegando de forma anônima.

Na opinião do psicólogo Samuel Ted, escolas e hospitais deveriam ter capacidade para efetuar escutas especializadas, como em outros órgãos da rede. “Porque a criança pode trazer um relato de violência em qualquer instituição. Todos deveriam estar capacitados para fazer esse encaminhamento. É preciso maior envolvimento”.

QUANDO TODO MUNDO SE CALA...

Os sinais, embora velados, estão lá. A criança não fala, mas seu corpo grita. Seus olhos estão marejados, mas as lágrimas não escorrem. Professores, educadores, médicos, enfermeiras e diversos profissionais podem aprender a identificar os sinais que podem ajudar a abreviar o sofrimento de uma vítima.

Vítima que durante anos a fio pode estar sofrendo calada, por causa de uma ameaça, de uma violência psicológica, do receio do abandono, da vergonha, da culpa que carrega, de uma mãe que prefere se omitir.

Se ninguém toca no assunto, se ninguém se dispõe a ajudar, essa criança vítima de violência velada (que pode ser nossa vizinha, nossa irmã, nossa sobrinha, nossa afilhada, nossa aluna, nossa paciente) pode ter o mesmo destino cruel e fatal da menina Araceli. O caso Araceli, crime bárbaro que chocou o país em 1973, motivou a criação da campanha do 18 de maio: “Faça bonito. Denuncie!”

Quem conta é a conselheira tutelar Lívia Mônica. “Fico arrepiada toda vez que conto este caso, quando tenho de falar do Maio Laranja em algum lugar. A menina Araceli faleceu aos 8 anos de idade, no dia 18 de maio de 1973, na cidade de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo.

Ela foi sequestrada, drogada, estuprada, morta e carbonizada [por jovens da classe média da cidade, que ficaram impunes]. Quantos direitos violados aquela menina teve! Todo mundo se calou naquela época!”

Por isso, a ideia de conclamar a sociedade para proteger, denunciar, antes que outras Aracelis surjam por aí, sem ajuda, sem assistência, sem esperança.

ATENÇÃO PARA A MUDANÇA DE COMPORTAMENTO DA CRIANÇA/ADOLESCENTE

Todos ao redor da criança (ou adolescente) podem observar mudanças de comportamento. De acordo com Cleide Xavier “ela pode ficar mais arredia, retraída, com a sexualidade aflorada. Muda o comportamento na escola”.

O psicólogo Samuel observa que é preciso ficar atento ao que a criança fala. “Se for o caso, a mãe, professora ou pessoa que queira ajudar a vítima, pode procurar apoio nos serviços à disposição (Cras, Creas, Conselho Tutelar), para uma abordagem do tema numa escuta mais qualificada”.

QUANDO O SOFRIMENTO É MULTIPLICADO

Às vezes, o caso está “fechado” dentro de casa, com cumplicidade da mãe, o que torna a situação dramática. “Aí há problemas no seio familiar, com a omissão da mãe (porque, não raro o homem é o provedor da casa e a mãe, vítima de uma cultura machista que normaliza situações do tipo). Às vezes, a criança está falando, pedindo socorro, e a mãe não dá credibilidade, prefere acreditar no marido ou companheiro, pai ou padrasto da criança abusada”, afirma a diretora do Creas.
Para Cleide, o drama da criança vítima de abuso, pode ser multiplicado. “Imagine o sofrimento. Além de ser vítima de abuso sexual, o abusador a ameaçou, a mãe não acreditou nela, e ela ainda foi retirada da convivência familiar. São diversas violações que vitimaram essa criança”.

Profissionais do Creas e conselheiros tutelares, no entanto, são unânimes em dizer que a retirada de uma criança ou adolescente da família só é feita em casos extremos, quando foram esgotadas todas as possibilidades de recursos.

“A retirada é o último recurso”, sentencia o conselheiro tutelar José Alencar, secundado pela conselheira Lívia Mônica: “a gente esgota todas as possibilidade e busca as mais diversas alternativas para evitar que isso ocorra. O Ministério Público também é envolvido nessas questões, para dar o suporte legal”.

Os conselheiros falam com a propriedade de quem são os primeiros a serem chamados, quando acontece algo com crianças e adolescentes. “Quando a denúncia chega, podemos acionar a Polícia Militar, a Polícia Civil, o Ministério Público. Depois, a Secretaria de Desenvolvimento Social, via Creas, vai trabalhar para reduzir os danos naquela vítima e, muitas vezes, na própria família”, completa Lívia Mônica.

O psicólogo do Creas observa que o atendimento da criança é individualizado, mas pode haver a necessidade de fortalecer a mãe. “E às vezes é impossível intensificar esse vínculo”, enfatiza. “Cada caso é um caso diferente. Para cada caso, a gente estabelece um programa de acompanhamento e optamos tecnicamente pelos dispositivos a serem utilizados”.

QUALQUER ATO COM MENOR DE 14 ANOS É CONSIDERADO ESTUPRO DE VULNERÁVEL

Do ponto de vista cultural, ou por outra, normalizado por uma cultura que permita tal comportamento, algumas crianças ou pré-adolescentes começam a namorar ou vivenciar experiências sexuais com idade que a lei trata como crime.

E a legislação considera crime atos libidinosos (beijo roubado, passada de mão, carícias indevidas) ou conjunção carnal com menores de 14 anos. Está tudo configurado como estupro de vulnerável, não importando o consentimento da vítima ou dos pais. E estupro de vulnerável é crime punível com detenção de 8 a 15 anos.

Lívia diz ser normal deparar-se com casos em que a família permite uma menina de 12 ou 13 anos namorar ou dormir com o namorado em casa. “É muito comum a mãe dizer ‘ é meu genro, é boa pessoa’, e a menina viver vida de casada. As pessoas não são cientes da lei. E essa abordagem (namorar menor de 14 anos não pode, mesmo com autorização dos pais, e mesmo que não exista relação sexual) é muito difícil no Conselho Tutelar. Falar que ‘não pode’”.

Para Samuel Ted, a percepção de violência sexual pode mudar de pessoa para pessoa, dependendo da interpretação individual e do repertório cultural da família. “Tem a violência que agride, machuca, deixa marcas. Mas tem aquela que a própria vítima não percebe, até que seja esclarecida”.

E o psicólogo do Creas dá um exemplo que povoa o inconsciente coletivo, quando o que está em tela é o abuso sexual de crianças, e o abusador alguém de ‘dentro de casa’, não raro de dentro da família: “O quadro é de um tio que coloca a criança no colo, faz um carinho impróprio. Mas que a própria criança não se sente bem. Sente culpa, porque não sabia, não entendia”.

São diferentes tipos de violência.

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